Numa época em que as questões humanitárias são um dos tópicos mais levantados no seio da comunidade europeia, em especial na UE, parece inevitável não falar na comunidade LGBT+ e no seu papel enquanto agentes pertencentes a uma dimensão maior que as fronteiras definidas pelas vozes separatistas.
Se é inegável o progresso e representatividade cada vez maior dos indivíduos dessa comunidade nos diversos meios, incluindo a arte, há ainda ramos dessa representatividade carecentes de uma abordagem mais séria e crítica sobre si mesmos. Muitas vezes a representatividade LGBT+ foca-se excessivamente nos seus estereótipos como modelo a copiar e ignora outros atributos presentes no seu seio. Nem tudo poderá girar em torno do rapaz caucasiano pseudo- gerontófilo quando ainda é gritante a enorme falta de consideração por comunidades como a árabe ou sul asiática dentro desse meio.
Tarun Shah, de nome artístico Seeva, é um dos nomes do cenário underground londrino que, pouco a pouco, leva a cabo uma mudança desse paradigma. Tendo já lançado algumas faixas nos últimos anos, desde a brilhante e mágica “Heartstop” em colaboração com la lune até a sons de influência EDM mais proeminente como “DripDrip”, We Need to Talk é o seu LP de estreia.
Composto maioritariamente por sons de influência house, dance e nu-R&B, We Need to Talk é uma obra consistente e surpreendentemente bem produzida na sua maior parte, não devendo nada a obras de grandes nomes internacionais, mesmo que por vezes carregue consigo a influência menos positiva do mainstream no mixing de “Breathing”. Parece haver um certo atrito nos vocais de Emma Seeeberg nesta faixa, transmitindo uma sensação um tanto radiofónica, aérea e cortante, mesmo que sua a voz crie uma boa dança de timbres em contraste com a de Tarun. Ironicamente, o mixing de “Breathing” faz jus ao seu nome.
Tematicamente, We Need to Talk centra-se em torno de três temas principais, o ser jovem, o amor e o orgulho na identidade enquanto membro de uma minoria. A essência jovial transborda um pouco por todo o álbum, onde a efervescência das emoções e a urgência em compreender e mudar o mundo estão presentes. Dividindo protagonismo com o seu lado vulnerável, Seeva encontra o equilíbrio perfeito entre a emoção e a batida, sendo “Would You Lie To Me?” um dos maiores destaques desta obra. Se os momentos dançáveis são convincentes não só pela sua energia como também pelo seu teor pessoal, é em momentos como “Hopscotch”, “worship” ou “Princess” que o resultado final é verdadeiramente impressionante e ainda mais tocante, especialmente tendo em consideração que este é um álbum cuja essência é música dance de influência R&B e eletrónica. O maior trunfo de We Need To Talk é o quão relacionáveis as composições de Seeva aqui presentes são, mesmo nos seus momentos mais intimistas.
Quando analisando o conteúdo das faixas presentes nestas obra, o seu alinhamento parece seguir o lema “dança agora, chora depois”. Se os primeiros momentos focam as atenções para o ritmo e para a produção sonora, a segunda metade foca no discurso e confissões de Seeva que, progressivamente, dão lugar a um certo orgulho, amor próprio e consciência da sua própria essência e capacidades.
Nos últimos instantes, “outro” encerra o álbum em tom misto. Há uma clara força emocional perante a necessidade de apanhar os estilhaços do chão mas há também um tom suspensivo nas suas últimas palavras, o que poderá indicar que Seeva ainda tem muito por revelar.
nota final: 7.3/10