Review: Madonna, Madame X

Rating: 4.5 out of 5.

“Madame X é uma agente secreta. Viajando à volta do mundo. Mudando de identidades. Lutando pela liberdade. Trazendo luz a lugares escuros. Ela é uma dançarina. Uma professora. Uma chefe de Estado. Uma dona de casa. Uma equestre. Uma prisioneira. Uma estudante. Uma mãe. Uma criança. Uma professora. Uma freira. Uma cantora. Uma santa. Uma puta. A espiã na casa do amor. Eu sou Madame X.”

Foram estas as palavras que Madonna usou para descrever o seu mais recente título, Madame X, fazendo referência não só um alter ego versátil, politizado e socialmente consciente como também a possível transposição dessas características para o novo lançamento.
Quatro anos após o lançamento conturbado de Rebel Heart, um álbum que tanto parecia uma evolução positiva quando comparado com MDNA como também um dos mais duvidosos da sua carreira, Madame X transparece uma identidade muito mais vincada e memorável antes mesmo do início da jornada por terras e sons tão distintos que, no final, imenso partilham entre si.

Iniciando em “Medellín”, provavelmente o seu melhor lead-single dos últimos anos, Madame X arranca com elementos do reggaeton, numa obra que tem muito mais a oferecer da sua experiência em contato com as diversas culturas que dinamizam o ambiente lisboeta. Embora a presença de Maluma possa até ser questionável, Mirwais, uma das mentes responsáveis pela produção deste projeto, garantiu que o produto final não soasse demasiado poluído e saturado como uma boa parte do reggaeton que invadiu as rádios ao longo dos últimos anos. Há uma certa sensação de leveza em meio da batida bem demarcada e dos vocais bastante processados, o que resulta num equilíbrio interessante para o género.
Ainda assim, “Medellín” não entrega pistas absolutamente nenhumas do quão surpreendente e dinâmico Madame X se tornará nos minutos seguintes. Da música romântica, incluindo um sample da Dança das Flautas de Bambu da suite “Quebra-Nozes” de Tchaikosky, passando pelo funk, dance e acústica com influências eletrónicas, Madame X é um dos mais ecléticos trabalhos da carreira de Madonna até hoje.

Uma das premissas subentendidas aquando o anúncio deste projeto seria a de que a expressão artística de Madonna pretendia, mais uma vez, dar voz a todos aqueles que se sentem silenciados ou renegados pela sociedade, algo em certa medida semelhante àquilo que Rebel Heart poderia ter entregue caso não oscilasse demasiado entre o querer ser politicamente consciencioso e o exaltar da personalidade que Madonna construiu ao longo de décadas.
Não só a música em si transparece um certo teor social e político, como esse também transborda para a arte da capa do álbum na sua edição standard. Nela, vemos “Madame X” estilizada de forma a que o resultado se assemelhe a uma costura, bem como o nome de Madonna sobreposto nas suas sobrancelhas, remetendo de certa forma à imagem de Frida Kahlo, destacando a sílaba “DO” [faz] como se de um apelo à ação e mudança se tratasse.

Ainda nos seus momentos iniciais, “Dark Ballet” serve como um dos exemplos máximos das intenções de Madame X – ser audacioso, único mas também descontraído nos momentos em que menos se espera.
Parece haver uma certa necessidade em desencadear alguma reação por parte do ouvinte, mesmo que essa seja de resiliência ou dúvida sobre o que está a acontecer, especialmente no momento em que a Dança das Flautas de Bambu entra em cena acompanhada de vocais extremamente editados ao estilo Mirwais.
Perante um certo dadaísmo aqui e ali, temos alguns dos versos mais políticos de sempre da carreira da cantora, comparáveis apenas ao material presente em American Life, caso não só de “Dark Ballet” como também de “Future”, em colaboração com Quavo, “Killers Who Are Partying”, “God Control” e “Extreme Occident”, sendo que o certo teor político presente em várias destas passagens poderá ser encarado não só como um manifesto mas também uma necessidade de reencontro consigo própria e demonstração de apoio àqueles que lhe são mais próximos.
Tratar com lisura as “políticas informais” é um passo na direção para que as “políticas formais” sejam mais justas e a convivência social permaneça digna.

Para além da substância política que transparece em diversas passagens, Madame X também surpreende os saudosistas do início do novo milénio, quando Music colocava Madonna em destaque pela sua abordagem única ao europop e “Vogue” já havia atingido o status de clássico, ao moldar elementos disco e eletrónica em autênticas gemas que contrapõem com a faceta mais adulta do álbum. “God Control”, “Come Alive” e “I Don’t Search I Find” são algumas das passagens que relembram instantaneamente os anos de ouro de Madonna e que, mais do que nunca, encontram um lugar especial no atual cenário da música pop.
Não só semelhanças a Music se encontram aqui mas também American Life, talvez a referência mais óbvia de todas, não só pelo teor político das composições e personalidade não conformista como também pela instrumentação que, em larga medida inspirada na cultura portuguesa e suas relações com o mundo, reencontra nos instrumentos de cordas uma certa fragilidade e delicadeza há muito não exaltada na arte de Madonna.
Entre outras surpresas que podemos encontrar, destaque para “Faz Gostoso”, em colaboração com a superstar brasileira Anitta, “Batuka”, de forte influência na percussão africana e a descontraída e irreverente “Bitch I’m Loca”, em colaboração com Maluma.

Em termos técnicos, há uma certa sensação de desencontro entre o arranjo instrumental, belíssimo quando todo o pormenor é tido em consideração, e a edição e mistura dos vocais que por vezes meio que se sobrepõem e roubam demasiado a atenção do ouvinte. Ainda assim, mesmo que nem tudo seja tecnicamente perfeito, é de louvar a ambição presente em Madame X, que poderá traduzir-se como a sua obra mais global e culturalmente inclusiva até hoje.
Por toda a sua ousadia, experimentação e ambiente caótico mas nunca desligado da realidade, o resultado é, creio eu, o melhor lançamento de Madonna desde American Life e um dos seus álbuns mais arrojados de sempre, capaz de se tornar um futuro clássico num catálogo por si só já extenso e respeitável.

NOTA FINAL: 8.2/10

2 opiniões sobre “Review: Madonna, Madame X”

  1. […] Graças à inspiração em influências distintas, da música romântica com a Dança das Flautas de Bambu ao folk africano, Madame X revelou ser não só um dos álbuns mais arrojados e abrangentes de Madonna como também marcou o regresso da cantora aos tempos em que, ao invés de simplesmente seguir tendências, a sua capacidade visionária moldou estilos diversos à sua personalidade e imagem.A minha review completa deste álbum pode ser lida aqui. […]

    Gostar

  2. […] Ao buscar inspiração no ambiente multicultural lisboeta, Madame X conseguiu não só a proeza de se revelar como um dos álbuns mais ecléticos de sempre na sua carreira como também de balancear polos tão opostos que, no fim, mais têm a complementar entre si do que criar alguma rutura. Do funk à música romântica, incluindo um sample da Dança das Flautas de Bambu da suite “Quebra-Nozes”, Madame X representa o regresso aos tempos em que Madonna não se limitava a seguir tendências, mas sim em moldá-las a seu jeito criando uma nova identidade indissociável da sua própria pessoa. A review completa deste álbum pode ser lida aqui. […]

    Gostar

Deixe um comentário